terça-feira, agosto 29, 2006

Um dia a casa cai!

Trinta anos depois dos primeiros realojamentos no Bairro dos Lóios ainda está tudo por fazer. Faltam espaços verdes, passeios arranjados, passadeiras, um simples parque infantil... Os edifícios estão degradados, especialmente o lote 232 onde 103 famílias vivem em condições precárias. O imóvel apresenta problemas de segurança na estrutura e uma dia pode ruir... “como um baralho de cartas”.

Quem habita no lote 232, do Bairro dos Lóios, em Marvila, vive em constante sobressalto. Há muito que é sabido que aquele lote tem problemas estruturais profundos. A sua construção ficou pela metade, bem como a vida destas pessoas que não tiveram outra alternativa senão habitar as casas. O chão e as paredes estão ainda em cimento e a estrutura do prédio está em corrosão, devido à má construção. As galerias de ligação entre os apartamentos são sombrias, não têm iluminação e causam insegurança nos moradores; as casas estão cheias de humidade; os quadros de electricidade estão abertos e os curtos- circuitos são constantes. As saídas de emergência, por incrível que pareça, têm os cadeados do lado de fora. Os moradores temem o pior e dizem mesmo que em caso de sismo não sabem como é que a estrutura vai reagir...

A gota final foi quando a Câmara Municipal de Lisboa cedeu os fundos do prédio para oficinas de automóveis onde se fazem todo o tipo de trabalho. Os moradores não vêem esta situação com bons olhos, porque naquele lote não há gás canalizado e existem cerca de 500 botijas de gás...

Tudo isto se passa num bairro de Lisboa, em pleno século XXI , onde vivem mais de seis mil pessoas. A população sente que vive numa Lisboa à margem. Dizem que apesar de serem um bairro de realojamento- cerca de 70 por cento das habitações, uma vez que as restantes são cooperativas- não podem ser tratados como “lisboetas de segunda”. Sentem-se esquecidos, traídos, abandonados, a ver os seus problemas aumentarem e as soluções a tardarem.

A Associação Tempo de Mudar, criada através da vontade dos moradores em inverter esta realidade e com o Apoio da Santa Misericórdia de Lisboa, tem movido montanhas para dar pequenos passos. O presidente, Eduardo Gaspar, não esconde o desânimo: “Neste bairro, está tudo por fazer. Conforme o construtor foi deixando os prédios, ninguém mais lhes tocou. Desde que nasceu que este bairro precisa de reordenamento”. Esta é a batalha primeira da Associação que há anos luta pela resolução do problema da falta de segurança do lote 232 que pode ruir “como um baralho de cartas”. A solução, segundo a Associação, passa pela implosão do edificio e o realojamento dos moradores. Para isso, pede que as habitações sejam alvo de um estudo, “que seja identificadas as patologias do edificio e que as recomendações feitas no estudo sejam cumpridas. Isto porque diversas entidades deram vários pareceres em como as pessoas que aqui moram correm perigo e até hoje nada foi feito.

Espírito de aldeia

No entanto, os problemas não existem só no lote 232. Por todo bairro, os edifícios têm ligação por túneis sombrios e muitos prédios só têm entrada e saída através de pontes que ligam os edifícios. “O objectivo foi fomentar o espírito de aldeia, onde toda a gente se conhece e partilha a vida. Mas não resultou. Muitas pessoas colocaram barreiras nos acessos e muitos prédios ficaram isolados. A boa vizinhança deixou de existir e deu lugar a grandes conflitos”.

As pontes e pilares que ligam os edifícios são outra fonte de preocupação. A sua estrutura também está em corrosão e “corre o risco de colapso”. A qualidade de construção das habitações, da responsabilidade do IGAPHE. deixa muito a desejar, sublinha Eduardo Gaspar, em contraste com a habitação da responsabilidade das cooperativas, que foram construídas para “uma classe média alta. E os outros portugueses, aqueles que foram realojados, o que são?”.

No entanto, ao longo de 23 anos as batalhas têm sido mais do que muitas. As conquistas nem tanto, mas o presidente da Associação reconhece que a persistência dos moradores também teve os seus frutos. “Já houve intervenções, há muitos anos, neste bairro, feitas de uma forma faseada, porque isto ainda era pior do que é hoje. Primeiro interviram nas grandes vias e depois nas zonas secundárias. Só que agora, as zonas intervencionadas já precisam de requalificação devido ao abandono...”.

Creche e jardim-de-infância

A Associação Tempo de Mudar nasceu em 1983, fruto do descontentamento dos moradores. Para além de incentivar a população a trabalhar em comunidade, esta entidade presta um precioso auxílio social. Em 2003 foi constituída IPSS, gerindo, num edifício cedido pela autarquia, um equipamento social de creche e jardim- de-infância. Actualmente, 126 crianças frequentam o equipamento, a única resposta em termos de infância no bairro. A lista de espera é enorme, as necessidades são muitas, mas segundo Eduardo Gaspar “este é um espaço importante de acolhimento. Não é o suficiente, mas já é alguma coisa”.

Habitações devem continuar no Estado

Actualmente, cerca de 400 famílias do Bairro dos Lóios têm as suas vidas viradas do avesso. A doação de fogos, anteriormente geridos pelo IGAPHE, à Fundação D. Pedro IV ditou o aumento “absurdo das rendas”. Eduardo Gaspar afirma que nalguns casos a renda subiu para mais de 500 euros.

Desde Novembro que a Associação Tempo de Mudar tem sido a mão amiga de muitos moradores, que os apoia nas suas decisões: “Não fazemos o trabalho por elas. Organizámos as pessoas lote a lote, criámos comissões restritas e todas as decisões são tomadas pelos moradores, nós apenas lhes tentamos dar voz”. A Associação não concorda com a doação de património à Fundação e quer que as habitações continuem afectas ao Estado. Por outro lado, a Associação gostaria que o Decreto-Lei 166/93, que permite a renda apoiada, fosse alterado, “porque o decreto tem muitas lacunas e não é favorável aos inquilinos”.

Obras de Santa Engrácia

A extensão do Centro de Saúde de Marvila começou a ser construída, no Bairro dos Lóios, há seis anos. O objectivo era que num curto espaço de tempo, cerca de 16 mil utentes ficassem afectos àquela extensão. As obras seriam então da responsabilidade da autarquia, e o equipamento caberia à Administração Regional de Saúde.

Seis anos depois, a extensão ainda está por acabar e o Centro de Saúde de Marvila continua a rebentar pelas costuras. As promessas para a abertura do espaço têm sido mais do que muitas e a Associação Tempo de Mudar não quer esperar mais tempo. Eduardo Gaspar está revoltado com esta situação e pede que o Governo tome uma atitude, “uma vez que na ARS nos deram a entender que não têm qualquer intenção de pôr a extensãode saúde a funcionar”.