terça-feira, agosto 01, 2006

Mansão de Marvila pode ficar sem herança por ser gerida por privados

Antiga directora entende que vontade da testadora não seria cumprida se os 150 mil euros do testamento fossem para a Fundação D. Pedro IV

Os serviços da segurança social estão impossibilitados de receber uma herança de 150 mil euros deixada em testamento à Mansão de Marvila, um lar de idosos que o Estado possui em Lisboa, devido ao facto de a sua gestão ter sido entregue a uma instituição privada.

A execução do testamento só é possível com a intervenção da testamenteira, que ocupou as funções de directora do lar, mas esta recusa-se a fazê-lo por entender que a benemérita deixou a herança a um lar do Estado e não a uma entidade privada, como é o caso da Fundação D. Pedro IV, que gere o estabelecimento desde o final desde 2004.

Chamava-se Generosa e foi-o pelo menos na hora da morte, quando decidiu legar 150 mil euros à instituição em que passou os últimos anos da sua vida. Conhecedora das dificuldades com que a direcção da Mansão de Marvila geria o lar, a senhora decidiu deixar-lhe aquele montante com o objectivo de contribuir para a melhoria dos cuidados prestados aos utentes. Para isso mandou lavrar um testamento, no qual nomeou como responsável pela sua execução a então directora da mansão, uma psiquiatra que também aí exercia a sua especialidade médica.

Falecida há cerca de três anos, Generosa de Paiva Guimarães não chegou, porém, a saber que o Centro Distrital de Segurança Social (CDSS) de Lisboa cedeu a gestão da sua última casa àquela fundação.

Com a entrada desta instituição, os quase 150 funcionários públicos que trabalhavam no lar mantiveram-se nos seus lugares, mas a directora deixiou as suas funções.

Mais tarde, já em 2005, a antiga responsável pelo estabelecimento surpreendeu a direcção do CDSS de Lisboa, recusando-se a aceder ao pedido que lhe foi dirigido para, na qualidade de testamenteira, fazer as diligências necessárias à execução do testamento. Confrontada com a impossibilidade de levantar o dinheiro, a segurança social insistiu, mas a médica reafirmou a sua posição. No seu entendimento, a vontade da benemérita testadora só seria respeitada se a herança fosse efectivamente destinada à melhoria do funcionamento da Mansão de Marvila, o que não seria o caso devido às mudanças ocorridas na gestão do lar.

O problema está agora nas mãos dos advogados da segurança social e da antiga directora do estabelecimento. O gabinete do ministro do Trabalho e da Solidariedade Social confirmou a situação ao PÙBLICO, adiantando que o seu desbloqueamento, no caso de se manter a oposição da testamenteira, só poderá ser tentado pelas vias judiciais. A antiga directora, por seu lado, escusou-se a fazer comentários sobre o assunto.

No mesmo ano em que a segurança social entregou à Fundação D. Pedro IV a gestão da Mansão de Marvila, o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado entregou-lhe, sem contrapartida, a propriedade de cerca de 1400 fogos de habitação social que possuía nos bairros das Amendoeiras e dos Lóios, também em Marvila. A Procuradoria-Geral da República considerou no mês passado que a entrega destes fogos não salvaguardou devidamente o interesse público.

Jornal "Público", José António Cerejo, 1 de Agosto de 2006