A hipótese de pôr termo ao contrato através do qual o Estado transferiu gratuitamente para a Fundação D. Pedro IV, em Fevereiro do ano passado, a propriedade de 1445 fogos dos bairros sociais das Amendoeira e dos Lóios, em Chelas, está a ser ponderada pelo Governo.
A informação foi transmitida aos representantes dos moradores, anteontem, numa reunião realizada com o secretário de Estado do Ordenamento , João Ferrão, em que também esteve presente a vereadora da Habitação da Câmara de Lisboa, Maria José Nogueira Pinto.
O contrato celebrado entre o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE) e a Fundação D. Pedro IV foi já este ano alvo de uma apreciação fortemente negativa por parte da Procuradoria-Geral da República (PGR), por não salvaguardar devidamente o interesse público e os direitos dos inquilinos dos fogos oferecidos àquela instituição. O parecer da PGR recomendava ao Governo que introduzisse um conjunto de alterações no contrato em causa, alterações essas que foram entretanto trabalhadas na secretaria de Estado e propostas à fundação presidida por Vasco Canto Moniz - um ex-director do IGAPHE cuja actuação tem sido classificada como "terrorismo social" pelos moradores.
Em causa, entre outras coisas, estão os "brutais aumentos" aplicados às rendas dos fogos logo que estes passaram a pertencer à fundação, que tem o estatuto de instituição particular de solidariedade social, e a recusa desta em os vender aos inquilinos.
De acordo com uma porta-voz do gabinete de João Serrão, "as negociações com a Fundação D. Pedro IV não estão a correr no sentido daquilo que seria desejável para garantir o interesse público". A mesma fonte não confirma expressamente que o secretário de Estado tenha admitido a possibilidade de retirar os fogos à fundação, tal como afirmam alguns dos participantes no encontro, mas diz que "o Governo tem em cima da mesa todas as medidas, quer jurídicas, quer políticas, que seja necessário tomar para garantir o interesse público".
Governo e fundação "em rota de colisão"
Segundo um dos membros da Comissão de Moradores do Bairro das Amendoeiras, António André, ficou claro no encontro com João Ferrão que a fundação "entrou em rota de colisão com a secretaria de Estado" e que o Governo está a estudar, em termos jurídicos e com base na actuação da fundação, a maneira de lhe retirar o património e, eventualmente, o entregar à Câmara de Lisboa. A vereadora da Habitação e o secretário de Estado ficaram, aliás, de marcar uma reunião para discutir o assunto, sendo certo que, para lá do problema jurídico da resolução do contrato existente com a fundação, haverá que encontrar dinheiro para a recuperação dos fogos, grande parte dos quais se encontram em muito más condições de conservação.
A hipótese de o município vir a ficar com os dois bairros sem qualquer encargo foi amplamente discutida em 2004 - antes de o IGAPHE decidir entregá-los à fundação -, altura em que a Assembleia Municipal, então com maioria de esquerda, rejeitou a proposta camarária de os aceitar. A posição dos socialistas e comunistas foi justificada com o mau estado de conservação dos fogos, que obrigaria a um pesado investimento em obras e transformaria o donativo do Governo num "presente envenenado".
Maria José Nogueira Pinto confirmou ontem, na reunião pública do executivo municipal, que a passagem dos fogos para a responsabilidade da câmara é um dos cenários possíveis, mas sublinhou que não assumiu qualquer compromisso com João Ferrão e que ainda não discutiu o assunto com o presidente da câmara, Carmona Rodrigues.
Paralelamente à contestação da forma como os bairros estão a ser geridos, os moradores têm vindo a questionar o conteúdo do decreto-lei de 1993 que estabelece o regime da renda apoiada e é em parte responsável pelos aumentos de renda decididos pela fundação. Nesse sentido, a Comissão de Inquilinos do IGAPHE no Bairro dos Lóios e a Associação Tempo de Mudar para o Desenvolvimento do Bairro dos Lóios apresentaram este mês ao Governo um conjunto de propostas de alteração a esse diploma, que se aplica à generalidade dos bairros sociais do país.