quinta-feira, julho 27, 2006

PGR sugere mudanças nos Lóios

Detectados "vícios" no auto de cessão das casas para a Fundação D. Pedro IV

O auto de cessão, celebrado em Fevereiro do ano passado, entre o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE) e a Fundação D. Pedro IV relativamente à transferência da propriedade e gestão das cerca de 1400 casas de habitação social dos bairros dos Lóios e das Amendoeiras, em Chelas, Lisboa, vai ser alterado. A recomendação consta de um relatório elaborado pela Procuradoria Geral da República (PGR), a pedido do secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, João Ferrão, que está a analisar todo este processo, muito criticado pelos moradores que contestam os aumentos das rendas.

O parecer do conselho consultivo da PGR, com data de 11 de Maio de 2006, aponta a necessidade de serem revistas várias cláusulas do acordo, designadamente as que dizem respeito à aplicação do regime de renda apoiada, à clarificação do objecto da transferência e à hipótese de ser ponderada a venda de algumas habitações aos inquilinos. A PGR identificou vários "vícios, deficiências e insuficiências" no auto de cessão e sugere a alteração de três claúsulas.

Embora reconheça a legalidade da aplicação do regime da renda apoiada, a PGR considera que, no processo de actualização das rendas, a Fundação D. Pedro IV "sobrevalorizou a perspectiva económica-financeira e menosprezou a dimensão social". E diz que não foram aplicados os "procedimentos previstos na lei susceptíveis de viabilizar uma melhor harmonização entre a prossecução do interesse público e a satisfação dos direitos e interesses dos moradores".

Rendas apoiadas

Confrontando o regime de renda apoiada aplicado pela Fundação e o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado este ano pelo Governo, a PGR conclui que "houve um tratamento desigual de situações de facto materialmente próximas". E defende que a Fundação deveria ter previsto um "período transitório de aplicação gradual das novas rendas". Dá como exemplo o faseamento definido pelo NRAU que vai de dois a dez anos, sendo cinco anos o período regra.

No que se refere ao objecto da transferência, a PGR considera ilegal que, no acto de cessão, além das habitações, tenham sido também transferidos espaços exteriores de uso público, arruamentos e infraestruturas, como por exemplo redes de sanemaneto. Perante tal "perplexidade", a PGR diz que o destinatário "natural" destes bens é o município de Lisboa e apela à alteração desta cláusula do acordo.

No que se refere à hipótese de venda das habitações aos inquilinos - muito reclamada por quem vive nos bairros - a PGR considera que, embora não seja obrigação da Fundação, "a ponderação da facilitação da alienação dos fogos (...) poderia mostrar-se particularmente justificada nas situações em que os moradores levaram a cabo nos fogos, a suas expensas, obras significativas". Contudo, ao contrário do que tem sido abundantemente argumentado pelos moradores, a PGR não encontrou elementos que permitam concluir da existência de compromissos de venda das habitações, por parte dos extintos Fundo de Fomento Habitação e IGAPHE.

O parecer da PGR já é do conhecimento da Fundação e dos moradores e, ao que o JN, apurou, está neste momento a motivar reuniões de trabalho entre as partes para promover uma alteração do auto de cessão. O secretário de Estado já se comprometeu, perante os moradores, de que esta questão estará resolvida até ao final do mês.

Fundação não aceita vender as casas

A Fundação D. Pedro IV está disponível para alargar o período de transição para a aplicação do regime de renda apoiada nos bairros dos Lóios e das Amendoeiras, como é sugerido pela Procuradoria Geral da República. Ao JN, Vasco do Canto Moniz, presidente da Fundação, garantiu que esta disponibilidade já foi manifestada, no passado dia 6 de Março, na Comissão Eventual da Assembleia Municipal de Lisboa. Segundo o responsável, quando foi feita a actualização das rendas, a 1 de Janeiro de 2006, "já houve uma redução de 30%" em relação ao valor calculado. Contudo, a Fundação está disponível para alargar o período de transição para cinco anos, "nos casos mais necessários". Vasco Moniz adianta que aceitará também promover a revisão do valor da renda máxima, no âmbito de uma comissão arbitral, a presidir pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, que reavalie o estado de conservação dos edifícios. Em relação à proposta alienação de fogos, Vasco Moniz mantém que "é direito da Fundação não vender as casas" porque foi com essa "condição" que se apresentou ao concurso público. A renda média cobrada nos bairros é de 65 euros e é calculada com base nos rendimentos declarados pelas famílias.

"Jornal de Notícias" Gina Pereira, 26 de Julho de 2006