domingo, junho 04, 2006

A nossa casa é...

Eis algumas passagens de um artigo sobre o Direito à Habitação condigna, escrito por uma advogada. Senhores deputados, estejam atentos, tal como nós estamos.
A nossa casa é mais do que o tecto sob o qual dormimos. É o local onde queremos repousar, ouvir o silêncio dos nossos pensamentos ou a música dos risos de quem amamos.(...)
Sabemos que os poderes públicos têm ainda o dever de garantir que cada um tenha a sua casa, ou, pelo menos, uma casa minimamente digna onde habite. O Estado português a isso se obriga, por força dos instrumentos de Direito Internacional aos quais se vinculou; o Estado português reconhece, por força da incorporação de um direito à habitação no seu texto constitucional; o Estado português concretiza, através da sua actuação subordinada ao primado da lei; o Estado português subalterniza-o, consoante outras conveniências; o Estado português somos todos nós, cidadãos estrangeiros e apátridas.
Mas, que obrigações são essas? Que conteúdo normativo têm? Que força jurídica? O Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas conta com 145(1) ratificações ou adesões, entre os quais o Estado português. No seu art. 11.º pode ler-se: “ Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas a um nível de vida suficiente para si e para as suas famílias, incluindo alimentação, vestuário e alojamento suficientes, bem como a um melhoramento constante das suas condições de existência. Os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas destinadas a assegurar a realização deste direito, reconhecendo para esse efeito a importância essencial de uma cooperação internacional livremente consentida.”
A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação Racial é um dos textos das nações Unidas ratificados por um maior número de Estados. Nos termos do disposto da alínea e) do art. 5.º desta Convenção, os Estados Partes comprometem-se: “ a proibir e a eliminar a discriminação racial, sob todas as suas formas, e a garantir o direito de cada um à igualdade perante a lei sem distinção de raça, de cor ou de origem nacional ou étnica nomeadamente no gozo dos direitos económicos, sociais e culturais, nomeadamente…o direito ao alojamento.” E, este direito é extensível também aos trabalhadores migrantes. O direito dos trabalhadores migrantes à igualdade de tratamento em matéria de habitação está garantido no art. 43.º da Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos de todos os trabalhadores migrantes e membros das suas famílias: “ Os trabalhadores migrantes beneficiam de tratamento igual ao que é concedido aos nacionais do Estado de emprego em matéria de: d) acesso à habitação, incluindo os programas de habitação social e protecção contra a exploração em matéria de arrendamento.”
O art. 65.º da C.R.P. consagra o direito a uma habitação condigna, atribuindo ao Estado alguns deveres, nomeadamente o de “promover, em colaboração com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais.” (b) do n.º2 do citado artigo). Contudo, este direito à habitação é tido, por alguns, como um direito “programático”, “não operativo” e de conteúdo “poético”. “À primeira vista poderia parecer insólito que um tema, como o da habitação, constituísse uma questão de direitos humanos. Basta, porém, observar o direito internacional ou as legislações nacionais, e pensar em tudo o que um lugar seguro para viver pode representar para a dignidade, a saúde física, a saúde mental e a qualidade de vida do ser humano, para que se comecem a revelar algumas das implicações de habitação no domínio dos direitos humanos.(…) Ao mesmo tempo, ter acesso a uma habitação condigna, salubre e segura, aumenta substancialmente a possibilidade de as pessoas gozarem outros direitos, uma vez que a habitação constitui a base de outros benefícios de natureza jurídica. Por exemplo, a habitação e condições de vida adequadas estão estritamente ligadas ao grau de realização efectiva do direito à higiene ambiental e do direito ao mais elevado nível possível de saúde mental e física. A OMS considera a habitação como o factor ambiental mais importante associado à doença e ao aumento das taxas de moralidade e de morbilidade.” (2) Assim, o cumprimento deste direito parece trazer todos os benefícios para o Estado, maxime benefícios económicos. Uma população que tenha uma habitação condigna, será uma população mais saudável e mais produtiva.
(...) Na nossa concepção de direitos humanos, que é a concepção adoptada pela Constituição no cumprimento dos instrumentos de direito internacional a que o Estado português aderiu, o direito à habitação deve ser assegurado. Para tanto, é crucial uma estrita colaboração dos órgãos e Institutos competentes, em articulação com as autarquias, as Associações de defesa e promoção destes direitos e as Comissões de moradores dos bairros (...). Só assim poderemos construir soluções sustentáveis, no quadro de uma democracia participativa. Só assim podemos assegurar os alicerces de uma sociedade justa, sem a vulnerabilidade dos “castelos” que construímos na areia, destruídos por qualquer pequena onda que os desfaça.
Vanessa Cunha Advogada – Membro da Subcomissão CDHOA