segunda-feira, abril 17, 2006

O BAIRRO DOS LÓIOS À ESPERA DE OBRAS

Eis uma explicação de como se encontra o nosso edificado... apesar do texto datar de 2000, continua muito actual! Algumas contradições de Direcção do IGAPHE Foi com alguma surpresa que lemos, há dias, num número do início do ano da revista do IGAPHE, grandes elogios e muita publicidade à recuperação de imóveis por particulares. Não que esta doutrina esteja incorrecta ou que estejamos em desacordo com ela, mas é que o IGPHE defende para os particulares uma coisa e, para si próprio, outra que é o oposto da primeira. Com efeito, há anos que este Organismo público vem defendendo o indefensável, isto é, que, relativamente aos edifícios que construiu, não lhe cabe nenhuma responsabilidade na sua conservação ou recuperação e não passa para as fracções que ainda não conseguiu vender, de um condómino como os outros mesmo quando é proprietário de mais de 50% das fracções… como acontece com os 32 edifícios de que é proprietário maioritário no Bairro dos Lóios, antiga Zona N2 de Chelas, em Lisboa. Posição contrária têm, obviamente os moradores e proprietários de fracções nesses edifícios, bem como a Associação Tempo de Mudar que os apoia na responsabilização do IGAPHE pelo que aí concebeu e construiu. É que por detrás dos muitos problemas desses prédios estão erros de concepção, defeitos de construção e desrespeito das normas urbanísticas em vigor por parte do IGAPHE e do organismo o precedeu, o FFH – Fundo de Fomento da Habitação. É o que nos propomos demonstrar de seguida: Em matéria de erros de concepção, a maior parte dos edifícios em causa têm projectos dos anos 60, pensados para uma população completamente diferente daquela que, finalmente, com o 25 de Abril, os foi ocupar, de construção massiva, frequentemente com mais de uma centena de fracções (o que torna os condomínios ingovernáveis) e com uma perspectiva urbanística hoje muito ultrapassada. A morfologia e arquitectura dos edifícios, para além de ser completamente inadequada às populações neles residentes, caracteriza-se por pisos térreos cheios de vazios, reentrâncias e recortes, escadas e corredores que dão para coisa nenhuma, entradas únicas para os vários corpos que compõem cada edifício, eventualmente com entradas num edifício e caixas de correio noutro. O acesso às fracções é feito sistematicamente por galerias abertas e expostos às intempéries e criando graves problemas de segurança. Os elevadores abrem para as escadas e sofrem directamente os efeitos do tempo. Em matéria de defeitos de construção, há humidades em quase todos os pisos térreos, por capilaridade e também provocadas por fissuras nas paredes. As armaduras das estruturas dos edifícios apresentam elevado grau de corrosão de que o que está a acontecer com Lote 232 é exemplo eloquente e dramático, com queda de grandes pedaços de betão sobre um local público de passagem[1] e quebra de guardas da galeria/terraço que rodeia as traseiras do edifício. As redes interna e externa de esgotos dos edifícios estão subdimensionadas, há rachas e fissuras nas paredes dos edifícios e fracções e deficiências várias nas redes eléctrica e de gás, algumas tão graves que levam a que, por exemplo, o Lote 232 (102 condóminos e moradores) nunca tenha tido gás de cidade por razões de (in)segurança e que a protecção contra o fogo, nesse e noutros lotes, seja inexistente ou muito deficiente. Finalmente, há uma completa ausência de qualquer tratamento dos espaços exteriores aos edifícios, de que o IGAPHE declina qualquer responsabilidade (embora a lei estipule que esses espaços são da responsabilidade do construtor), bem como de qualquer manutenção digna desse nome, se exceptuarmos uma pintura geral nos edifícios (que importou em cerca de 350.000 contos) realizada em meados dos anos 80 e que ainda foi feita pelo FFH. É óbvio que a questão aqui é de saber quem paga as obras a executar e, por esse motivo, quem é que julga da sua necessidade e as avalia. Quanto à questão de saber a quem cabe o pagamento, dada a previsível magnitude e extensão das obras, para além do facto bem conhecido desta situação ser generalizável a todos os fogos do IGAPHE, em todo país, não admira que o Instituto procure fugir a essa responsabilidade mas que tal é incorrecto também não oferece dúvidas, para além de que seria sempre possível encontrar e montar soluções alternativas, muitas das quais o IGAPHE até já utiliza, noutros casos, não negando nem fugindo tão ostensivamente às responsabilidades que inteiramente lhe cabem. De qualquer forma, o IGAPHE dizer que não tem nada a ver com o assunto é que é insustentável, quer-nos bem parecer… Costuma a Direcção do IGAPHE dizer que os compradores sabiam o que estavam a comprar e a razão do baixo preço que lhes era pedido portanto, que arquem agora com os custos que tiverem a ter! Trata-se, obviamente, de uma “habilidade” jurídica, em que só acredita quem de todo desconhecer o difícil e complicado que foi conseguir vender esses fogos, mesmo após anos de tentativas: os problemas essenciais não eram, como atrás se viu, de manutenção eram e são, sobretudo, de concepção e de construção e, como tal, devem responsabilizar directamente o seu promotor, que estava a vender, com o conhecimento de causa, uma coisa com vício que se pode considerar, sem grande esforço, como oculto. Não se percebe, por outro lado, ou então percebe-se bem de mais, porque recusa o IGAPHE uma avaliação imparcial dos edifícios, feita por uma entidade idónea e independente (como, por exemplo, o LNEC, ou o IST), prefere impor, como aconteceu nas discussões que teve com a Associação Tempo de Mudar, um esquema de dois avaliadores, um do próprio IGAPHE e outro a suportar pela Associação talvez na esperança de que tal seria insuportável por esta… Do nosso ponto de vista, a questão é sobretudo de saber até que ponto se justificam ainda obras em certos edifícios, tal é o estado de degradação em que se encontram, ou se, pelo contrário, o mais indicado e económica não será, pura e simplesmente, deitá-los abaixo, ou implodi-los como, aliás, se faz ou pouco por todo o lado, em idênticas circunstâncias, salvaguardando, obviamente, todos os direitos dos moradores e proprietários e viabilizando, assim, as operações com a mais valia obtida com a libertação dos terrenos que ocupam. Duas questões importa ainda esclarecer ou, pelo menos, abordar: a da formação de condomínios e a do vandalismo. Quanto à formação de condomínios, ela é, por lei, salvo melhor opinião, da responsabilidade do condómino com mais capital nos prédios, no caso, indiscutivelmente, o IGAPHE. Relativamente ao vandalismo, que ninguém nega existir, tem certamente múltiplas causas, mas indiscutivelmente muito contribuiu para ele a falta completa, em todo este processo (que tem mais de vinte anos!), de qualquer forma de acompanhamento social das populações realojadas nestes fogos. Por outro lado, convém não esquecer que o vandalismo tem as “costas largas” às vezes até de mais! E a incúria que tem reinado, relativamente a estes fogos, não parece ser a forma mais pedagógica de acabar com ele… Em síntese, o que se pretende é, essencialmente, o seguinte: Uma peritagem independente aos edifícios que avalie do seu estado geral, da sua recuperabilidade e respectivos custos; Que se estudem (com a participação dos moradores e/ou associações) formas de tratar e custear essa reabilitação, caso seja economicamente viável, ou então que se encare e se viabilize a sua demolição. Lisboa, 17 de Novembro de 2000 João Quintela * Eduardo Gaspar * [1] Nesta altura (Abril de 2006) esta patologia da construção está a verificar-se nos lotes 222 ao 229, sobretudo, nos lotes 228 blocos 4 e 5 da conhecida “pantera cor-de-rosa”.