sábado, setembro 16, 2006

A luta dos moradores do Bairro dos Lóios e das Amendoeiras contra a indesejada solidariedade da Fundação D. Pedro IV

A polémica da gestão da Fundação D. Pedro IV, nos Bairros dos Lóios e das Amendoeiras, em Chelas, teve a sua primeira origem em 2002, com o anúncio através do decreto-lei nº 199/2002 de 25 de Setembro, da possibilidade de transferência, sem qualquer contrapartida do património do IGAPHE para os municípios.

No mesmo ano de 2002, ao abrigo do decreto-lei nº 243/2002 de 5 de Novembro, é decidida a extinção e fusão do IGAPHE, com o Instituto Nacional da Habitação, que passou, desde então, a tutelar todos os assuntos referentes à habitação do Estado. Em Março de 2004, por proposta da Câmara Municipal de Lisboa, numa reunião realizada na Assembleia Municipal da Câmara, os deputados municipais chumbam a transferência do património do IGAPHE do Bairro dos Lóios e das Amendoeiras para a edilidade, alegando o mau estado de conservação dos edifícios.

Na referida reunião, a então vereadora da habitação social da Câmara Municipal de Lisboa, Helena Lopes da Costa, refere o interesse da Fundação D. Pedro IV em ficar com a gestão do património, sem ter sido efectuado o respectivo concurso público.

Após a recusa da Câmara em aceitar o património do IGAPHE, foi realizado um concurso público para a transferência dos respectivos fogos para Instituições Particulares de Solidariedade Social, do qual saiu vencedora a Fundação D. Pedro IV.

O resultado do concurso foi contestado, na altura, pela instituição Voz do Operário, Sociedade de Instrução e Beneficiência, e foi também contestado posteriormente pelos moradores, uma vez que o património foi transferido a uma instituição presidida pelo Eng. Vasco Canto Moniz, que tinha desempenhado anteriormente as funções de director do serviço de habitação do IGAPHE.

A 1 de Fevereiro de 2005, ao abrigo da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro, respeitante ao orçamento de estado para 2005 e quando a Assembleia da República somente detinha poderes administrativos, os mais de 1400 fogos do IGAPHE, localizados nos Bairro dos Lóios e das Amendoeiras, são doados a título gratuíto à Fundação D. Pedro IV, sendo que os moradores só foram informados do acto após a consumação do mesmo.

A atribuição do património foi realizada pelo governo de gestão do Dr. Pedro Santana Lopes à Fundação D. Pedro IV, que tinha sido indicada em 2000 para ser encerrada após a realização de um relatório por inspectores da Segurança Social, que detectaram ilegalidades na mesma Fundação e que foi arquivado inexplicavelmente pelo então Inspector-Geral da Segurança Social, o Juíz Simões de Almeida.

Após ter iníciado o seu processo de gestão dos respectivos fogos, em Agosto de 2005, a Fundação D. Pedro IV efectua inquéritos nas casas dos moradores, justificando que os mesmos inquéritos tinham como objectivo a actualização dos processos dos agregados familíares, solicitando aos mesmos que apresentassem as suas declarações de rendimentos e recibos de ordenado e que lhes fosse permitido fotografar o interior das sua habitações.

Durante esta acção, verificaram-se situações de tentativa de levar as pessoas a assinarem uma declaração de honra onde se incluia, implicitamente, a aceitação do regime de Renda Apoiada.

A partir de Novembro de 2005, a Fundação D. Pedro IV iniciou um processo de envio de cartas aos moradores com a indicação de aumentos abruptos de rendas que chegaram a atingir em alguns casos os 15.000%, aumentos esses que foram praticados com base no decreto-lei nº 166/93 de 7 de Maio, que define o regime de Renda Apoiada e que apresenta várias lacunas, não salvaguardando devidamente os direitos dos inquilinos em regime de arrendamento social.

Indignados com o acto da Fundação D. Pedro IV, que aumentou o valor das rendas para valores incomportáveis, sem ter efectuado obras nos fogos, sem nunca ter explicado como calculou os mesmos valores das novas rendas e que classificou erradamente o estado de conservação dos edifícios, que apresentam, na sua grande parte, graves problemas, os moradores foram obrigados a interpor uma providência cautelar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa.

Inicialmente, os juízes do mesmo tribunal recusaram-se a analisar os processos relativos aos moradores alegando o seu excessivo número e somente após um recurso e por decisão de um acordão do Tribunal Administrativo Central Sul, foi deliberado que seria o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa a decidir sobre as previdências cautelares interpostas pelos moradores.

Desde o início da gestão da Fundação D. Pedro IV, a mesma tem vindo a praticar acções de intimidação, coacção e descriminação sobre os seus arrendatários, entre as quais se demarcam algumas, que apresentamos de seguida.

As primeiras accções iniciaram-se em Outubro de 2005, com as reuniões que a Fundação realizou somente com alguns moradores escolhidos pela mesma para conceder explicações sobre a Renda Apoiada, proibindo a entrada do advogado e de representantes legais.

Posteriormente, seguiu-se a cobrança de valores de rendas a pessoas que já faleceram, ameaças de retirada da habitação para a atribuição de outra habitação de tipologia inferior, o envio de cartas aos moradores contendo indicações contrárias sobre o processo a decorrer em tribunal e ameaças de resolução de contrato, que em termos práticos significam ameaças de despejo.

A juntar-se a estes actos, entre outros, a Fundação D. Pedro IV apresentou queixas junto da PSP sobre elementos da Comissão de Moradores do Bairro das Amendoeiras, que têm vindo a defender o seu direito à habitação, consagrado no artigo 65º da Constituição da República Portuguesa.

Como resposta a toda esta situação insustentável originada pelos actos da Fundação D. Pedro IV, os moradores dos dois bairros realizaram uma manisfestação, no dia 19 de Abril de 2006, à porta da Secretaria de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, como forma de os responsáveis políticos encontrarem uma solução para o respectivo problema.

A mesma manifestação foi filmada por uma equipa de jornalistas da TVI, mas por motivos alheios que os moradores desconhecem não foi exibida no telejornal das 20:00 horas da mesma estação de televisão.

A 25 de Abril de 2006, no âmbito das manifestações realizadas na Avenida da Liberdade, os moradores efectuaram um desfile de protesto, que tal como aconteceu com a manifestação à porta da Secretaria de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, não mereceu nenhuma divulgação nas televisões apesar de ter sido filmada.

Como resultado da manifestação do 19 de Abril de 2006, dois meses depois, concretamente no início de Junho, as respectivas comissões realizaram uma reunião com o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, Prof. João Ferrão, na qual ficou decidido que seria constituída uma comissão de acompanhamento que participaria na integração de alterações ao auto de cessão do património transferido do IGAPHE para a Fundação D. Pedro IV, que segundo Parecer da Procuradoria-geral da República, não salvaguardou o interesse público e os direitos dos moradores.

A referida comissão será constituída por um representante de cada um dos partidos políticos com assento na Assembleia Municipal, dois representantes de cada uma das comissões dos respectivos bairros, o presidente da Junta de Freguesia de Marvila e um representante da Câmara Municipal de Lisboa. Foi assumido o compromisso, por parte da Secretaria de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, que este problema, que afecta drasticamente a vida de mais de mil de famílias, se resolveria até final de Julho de 2006.

No entanto, a constituição da referida comissão não se encontra ainda totalmente definida, atrasando um processo a que urge por cobro e resolver definitivamente. As respectivas comissões de moradores apresentaram, em Julho de 2006, as alterações que pretendem que sejam introduzidas no auto de cessão de transferência do património do IGAPHE para a Fundação D. Pedro IV e aguardam pela implementação das mesmas.

A todos aqueles que pretendem através do seu silêncio continuar a ignorar estes factos inadmissíveis num Estado de Direito Democrático praticados por uma fundação que se intitula como Instituição de Solidariedade Social, responderemos com a nossa resistência, um direito que nos assiste de acordo com o artigo 21º da Constituição da República Portuguesa.

Passados 32 anos após o 25 de Abril de 1974, moradores a viver entre 20 e 30 anos em fogos de habitação social na cidade de Lisboa, capital de um dito país desenvolvido pertencente à União Europeia são repentinamente confrontados com rendas milionárias, discriminados, ameaçados com despejos, coagidos, chantagiados, perseguidos e humilhados por uma Fundação que actua numa lógica contrária à solidariedade social, ameaçando um das maiores conquistas dos cidadãos: O direito à habitação.