domingo, setembro 24, 2006

133 anos depois, os direitos conquistados continuam ameaçados

"Os esforços que fizemos para conquistar a liberdade que hoje temos não bastaram para regenerar as nossas almas do aviltamento em que por muito tempo estiveram. Tinha-nos ficado, como um defeito nativo, a dobra servil. A nossa vocação expecial fôra por muitos annos--sermos victimas; faltaram-nos repentinamente os algozes, não aprendemos a ser mais nada, e ficamos n'uma desoccupação desconsolada e abatida. A guerra de que nos proveiu a constituição deu-nos apenas uma vitalidade febril e passageira. Logo que deixamos de discutir os principios da liberdade que então nos puzemos, não tornamos a fazer mais nada senão servir os interesses pessoaes e a ambição dos individuos. (...)

O nosso profundo mal está na nossa profunda indifferença. Aos que ignoram os perigos d'esta enfermidade social lembraremos que quando Napoleão desembarcou no golpho Juan não foi a força dos que o defendiam que o reconduziu ao throno, foi a inercia dos que o não atacaram.

Ora as apathias, querido leitor sensato, curam-se pelos regimes constituintes. Os meios revulsivos aggravam a prostração e produzem o desfallecimento e a morte.

Quando o principio vital da auctoridade se acha ameaçado sob a sua forma politica--no governo--, a primeira obrigação do povo é manter esse principio sob a sua forma philosophica--na razão".

Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, "As Farpas", 1873