A execução do testamento só é possível com a intervenção da testamenteira, que ocupou as funções de directora do lar, mas esta recusa-se a fazê-lo por entender que a benemérita deixou a herança a um lar do Estado e não a uma entidade privada, como é o caso da Fundação D. Pedro IV, que gere o estabelecimento desde o final desde 2004.
Chamava-se Generosa e foi-o pelo menos na hora da morte, quando decidiu legar 150 mil euros à instituição em que passou os últimos anos da sua vida. Conhecedora das dificuldades com que a direcção da Mansão de Marvila geria o lar, a senhora decidiu deixar-lhe aquele montante com o objectivo de contribuir para a melhoria dos cuidados prestados aos utentes. Para isso mandou lavrar um testamento, no qual nomeou como responsável pela sua execução a então directora da mansão, uma psiquiatra que também aí exercia a sua especialidade médica.
Falecida há cerca de três anos, Generosa de Paiva Guimarães não chegou, porém, a saber que o Centro Distrital de Segurança Social (CDSS) de Lisboa cedeu a gestão da sua última casa àquela fundação.
Com a entrada desta instituição, os quase 150 funcionários públicos que trabalhavam no lar mantiveram-se nos seus lugares, mas a directora deixiou as suas funções.
Mais tarde, já em 2005, a antiga responsável pelo estabelecimento surpreendeu a direcção do CDSS de Lisboa, recusando-se a aceder ao pedido que lhe foi dirigido para, na qualidade de testamenteira, fazer as diligências necessárias à execução do testamento. Confrontada com a impossibilidade de levantar o dinheiro, a segurança social insistiu, mas a médica reafirmou a sua posição. No seu entendimento, a vontade da benemérita testadora só seria respeitada se a herança fosse efectivamente destinada à melhoria do funcionamento da Mansão de Marvila, o que não seria o caso devido às mudanças ocorridas na gestão do lar.
O problema está agora nas mãos dos advogados da segurança social e da antiga directora do estabelecimento. O gabinete do ministro do Trabalho e da Solidariedade Social confirmou a situação ao PÙBLICO, adiantando que o seu desbloqueamento, no caso de se manter a oposição da testamenteira, só poderá ser tentado pelas vias judiciais. A antiga directora, por seu lado, escusou-se a fazer comentários sobre o assunto.
No mesmo ano em que a segurança social entregou à Fundação D. Pedro IV a gestão da Mansão de Marvila, o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado entregou-lhe, sem contrapartida, a propriedade de cerca de 1400 fogos de habitação social que possuía nos bairros das Amendoeiras e dos Lóios, também em Marvila. A Procuradoria-Geral da República considerou no mês passado que a entrega destes fogos não salvaguardou devidamente o interesse público.
Jornal "Público", José António Cerejo, 1 de Agosto de 2006