quarta-feira, abril 12, 2006

PÚBLICO - EDIÇÃO IMPRESSA - LOCAL LISBOA
Sábado, 1 de Abril de 2006

Ex-secretário de Estado ignorou proposta de extinção da Fundação D. Pedro IV

José António Cerejo

Simões de Almeida não tem explicações para o que se passou com inquérito à polémica fundação

A extinção da Fundação D. Pedro IV - uma instituição de solidariedade que tem sido acusada de insensibilidade social no aumento de rendas que pretende impor aos mais de 1400 fogos que lhe foram oferecidos pelo Governo de Santana Lopes em Chelas - foi proposta por inspectores da Segurança Social, no ano 2000, devido a alegadas irregularidades de gestão.

Esta proposta nunca teve qualquer consequência porque o relatório final do inquérito efectuado pela Inspecção-Geral da Segurança Social (IGSS) foi ignorado pelo então inspector-geral, o juiz Simões de Almeida. Logo a seguir, porém, uma outra auditoria ordenada pelo seu sucessor e antigo "número dois"chegou a conclusões diametralmente opostas que foram homologadas pelo mesmo Simões de Almeida, já como secretário de Estado da Segurança Social, dias depois de o PS ter perdido as legislativas de 2002.

Nascida em 1992 sob a presidência de Vasco Canto Moniz - um engenheiro que dois anos antes deixara o lugar de director regional de Lisboa do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE), numa altura em que corria contra ele um processo disciplinar interno -, a FundaçãoD. Pedro IV foi abalada em 1996 pela demissão de um dos seus administradores, Pedro Seixas Antão. Membro do núcleo fundador da instituição, este advogado era desde 1987 um dos mais próximos colaboradores de Canto Moniz.

A denúncia do antigo administrador

Culminando um processo de afastamento entre os dois homens - que partilhavam também a direcção da cooperativa de habitação Casassimples e da FDP - Sociedade de Fomento Urbano, Lda., entidades que funcionam na sede da fundação -, Seixas Antão demitiu-se no final de 1995 e transmitiu aos órgãos sociais as razões da sua iniciativa. No essencial, conforme veio depois a comunicar ao ministro da Solidariedade, Ferro Rodrigues, estava em causa a alegada transformação da fundação num grupo empresarial depromoção imobiliária, com violação dos seus fins estatutários, e a prática de irregularidades em prejuízo da instituição.

Com base nesta denúncia, e tendo em conta que a saída de Seixas Antão tinhasido seguida pelas demissões de diversos outros membros dos órgãos sociais, Ferro Rodrigues determinou, num despacho de Agosto de 1996 que refere unicamente aquelas razões, a realização de uma inspecção à actividade dainstituição, a cargo da IGSS. Realizado nos quatro anos seguintes com o acompanhamento directo de um dos então subinspectores-gerais, o magistrado do Ministério Público Rui Cavaco, que seria substituído pouco antes do termo dotrabalho, o inquérito incluiu uma auditoria financeira e ficou pronto em Junhode 2000, com quase 2500 páginas.

Entretanto, enquanto este inquérito decorria, a fundação pôs uma acção judicial contra o seu antigo administrador, acusando-o de difamação e denúncia caluniosa cometidas através da exposição que enviou a Ferro Rodrigues. Embora tenha perdido esta acção em sucessivas instâncias, a instituição manteve contra Seixas Antão um pedido de indemnização cívelque ainda aguarda julgamento, sendo que o advogado deste requereu ao tribunal, por diversas vezes, a junção aos autos das conclusões do inquérito da IGSS.

Logo no final de 1998, a juíza solicitou ao inspector-geral o envio das mesmas, respondendo-lhe Simões de Almeida que o relatório final ainda não estava concluído, razão pela qual, explicou, apenas enviava em anexo uma certidão autenticada de todos os elementos até aí carreados para o processo. O ofício subscrito pelo inspector-geral, constante do processo que o PÚBLICO consultou no 5º Juízo Criminal de Lisboa e no qual não se encontra a citada "certidão autenticada", acrescenta que logo que o inquérito fique pronto tudo "será remetido ao DIAP, com a maior urgência possível".

Simões de Almeida não respondeu ao tribunal

Passado mais de um ano sem que a Inspecção-Geral voltasse a manifestar-se, a juíza insistiu no início de 2000. Dez meses depois, face à persistência do silêncio, a magistrada mandou à IGSS cópias do pedido anterior e da resposta que Simões de Almeida tinha dado em 1998. Este acabou por reagir, informando, em Novembro de 2000, que "o relatório final já se encontra concluído, carecendo apenas [...], de decisão da direcção desta inspecção bem como da superior apreciação por Sua Excelência o senhor ministro".

Volvidos três anos, porém, o 5.º Juízo continuava à espera. Em Outubro de 2003, a juíza voltou à carga. Desta vez já não foi Simões de Almeida que lhe respondeu, uma vez que tinha sido promovido pelo então ministro Paulo Pedroso, em Março de 2001, a secretário de Estado da Segurança Social e, nessa altura, já tinha deixado o Governo há cerca de um ano, em consequênciada demissão de Guterres.

A resposta foi dada pelo seu sucessor, o também juiz Mário Lisboa, e revelou-se surpreendente: "Do referido processo não consta que o mesmo tenha sido submetido à apreciação ministerial, encontrando-se o mesmo no arquivo, mas desconhecendo-se as circunstâncias e em que momento tenha sido lá colocado." O inspector informava que o relatório final daquele processo seria enviado em anexo e acrescentava que "foi, entretanto, elaborada nova auditoria à Fundação D. Pedro IV, essa sim, submetida à apreciação da tutela, remetendo-se a V. Exa. cópia certificada do respectivo relatório (...)".

Segundo relatório salva a fundação

Analisados os dois relatórios finais - o do inquérito de 1996, concluído ao fim de quatro anos com quase 2500 folhas, e o da auditoria de 2001, feito em cerca de um mês -, verifica-se que as suas conclusões se opõem radicalmente: as do que foi arquivado "em circunstâncias" desconhecidas são arrasadoras para a fundação e, sobretudo, para o seu presidente, propondo a extinção da instituição e/ou a demissão dos seus corpos gerentes; as que foram homologadas pelo secretário de Estado Simões de Almeida, em Março de 2002, dias depois da vitória eleitoral de Durão Barroso, são particularmente favoráveis à gestão de Canto Moniz e apresentam apenas aquilo que este qualifica como "três recomendações menores".

Contactado pelo PÚBLICO para explicar o seu papel neste caso, Simões deAlmeida limitou-se a dizer que não se recorda do que se passou. O juiz, que se encontra desde Agosto passado na situação de licença sem vencimento de longa duração, está presentemente a trabalhar como advogado no escritório de João Nabais.

Solicitado a justificar as razões pelas quais o inquérito de 1996 foi parar ao arquivo sem ter sido despachado, o actual secretário de Estado da Segurança Social, Pedro Marques, informou: "Não justifico porque se a própria IGSS não tem explicação para esse facto, por maioria de razão o secretário de Estado [que entrou em funções em 2005] também não a tem."